03 julho, 2016

Conheça os principais conceitos de Gramsci


Antonio Gramsci (1891-1937), trico e ativista político marxista, nasceu em Sardenha na Itália, em janeiro de 1891, estudou em Turim e em 1913 se filiou ao Partido Socialista Italiano. Suas leituras de Marx, Engles e Lenin o levaram a rechaçar o idealismo filosófico e, em 1921, juntou-se ao grupo que fundaria o Partido Comunista Italiano (PCI). 

Foi perseguido e preso durante o regime fascista de Benito Mussolini. Depois de onze anos de confinamento e maus-tratos, onde, inclusive, foi impedido de ver a família, foi libertado, mas morreu dois dias depois. Na cadeia, produziu, entre 1929 e 1935, uma obra fenomenal, manuscrita em mais de trinta cadernos, que entraram para a história da teoria política. Seus trabalhos versam sobre literatura, hegemonia cultural, história da Itália, economia e materialismo histórico, entre outros temas. Seus ensaios escritos antes da prisão eram publicados em jornais operários e socialistas.

No Brasil, esses textos podem ser encontrados em dois volumes dos seus Escritos Políticos (2004), editados por Carlos Nelson Coutinho e Luiz Sergio Henriques. Do período do cárcere, há duas obras, as Cartas do cárcere (2005), escritas para parentes e amigos e posteriormente reunidas para publicação e as mais de duas mil páginas que deram origem aos Cadernos do cárcere (1999-2002).

Glossário dos principais conceitos gramscianos:

  • Americanismo e Fordismo: Modo de organização racional da produção, baseado no controle dos patrões sobre os empregados e forte regulamentação das atividades produtivas. Este controle extravasa os muros da fábrica e impõe um tipo de comportamento padrão para todos os empregados. O fato de os Estados Unidos já ter nascido liberal e capitalista, sem contar com uma classe parasitária como na Europa, e de contar com a força dos valores morais puritanos, contribuíram para a eficiência do fordismo e para a expansão deste modo de vida à grande maioria da sociedade. A homogeneização cultural e a simplificação do estilo de vida fazem parte da cultura americana.

  • Ateísmo: Para Gramsci, o ateísmo era uma forma puramente negativa e infecunda, pois sendo uma negação de Deus, vinculava a existência do homem a esta negação. Para o socialismo, dizia Gramsci, tal vinculação não fazia sentido, pois o socialismo parte da consciência sensível teórica e prática do homem e da natureza como o essencial. Praticar a negação da existência de Deus seria uma outra forma de colocar Deus no centro de tudo.

  • Bloco Histórico: Situação social concreta formada por uma estrutura econômica, vinculada dialética e organicamente às superestruturas jurídicas, políticas e ideológicas. O cimento que faz esta ligação é a ideologia que deve ser vinculada por meio dos intelectuais, que seriam os funcionários dos grupos dominantes. O Bloco Histórico realiza-se quando um grupo social consegue impor a sua hegemonia sobre os demais grupos sociais, criando um consenso ao redor do seu projeto de sociedade, e da sua concepção do mundo.

  • Catarse: Passagem da consciência egoístico-passional para a consciência universal, do plano da necessidade para o plano da liberdade, das preocupações econômicas para a ação ética e política. Deixar de lado os interesses econômicos corporativos imediatos e avançar para a esfera universal. Uma classe social que não consegue realizar esta catarse, não pode se tornar classe nacional. Não pode dirigir um bloco histórico majoritário e, portanto, não pode conquistar a hegemonia na sociedade.

  • Centralismo Democrático/Centralismo Burocrático: A classe dirigente do Partido Comunista deve exercer o poder com firmeza. Mas este poder deve ser exercido de forma democrática, de modo a permitir mobilidade entre os grupos políticos do partido e abertura para a crítica da sociedade. É uma forma viva, elástica, dinâmica, que se adapta à realidade do momento. É uma forma dialética. Este modelo foi proposto por Lênin, que o denominou de Centralismo Democrático. Ele dizia que: “é necessário buscar a unidade nas aparências de divergências e as divergências, e mesmo as oposições, nas aparências de unidade”. O Centralismo Burocrático é a degenerescência do centralismo democrático. Quando o grupo que está no poder impede qualquer mobilidade, qualquer crítica vinda de fora. Um governo burocratizado se torna um órgão de polícia, como ocorreu nos regimes fascistas e no stalinismo na URSS.

  • Classe Nacional: Classe que incorpora como suas as reivindicações da classe trabalhadora, assumindo assim o comando do processo de formação de um novo bloco histórico.

  • Crise de Hegemonia/Crise Conjuntural/Crise Orgânica: A Crise de Hegemonia ocorre quando a classe dominante perde o consenso da sociedade; quando ocorre crise de confiança em um determinado projeto e, por extensão, nos seus representantes, afrouxam as relações entre dirigidos e dirigentes. Quando precisa recorrer à força coercitiva para se manter no poder. Se a crise for persistente, se a sociedade perder a confiança na ideologia tradicional, então esta crise passa a ser orgânica. A Crise Conjuntural não tem grande significado histórico, pois, em geral, reduzem-se às manifestações contra aqueles que estão no poder, mas não atingem o sistema. A Crise Orgânica é resultado de um conflito mais amplo, atinge diretamente as estruturas da sociedade, permitindo ressonância social da crítica histórico-social; abre caminho para transformações; este tipo de crise atinge as instituições e pode romper o bloco histórico vigente. A crise orgânica ocorre quando as classes subalternas estão organizadas e disputam a hegemonia com a classe dominante.

  • Ditadura do Proletariado: Fase de transição no processo de implantação do comunismo. Quando o proletariado detendo o poder político, realiza as transformações sócio-econômicas necessárias para a evolução rumo à sociedade comunista.

  • Economicismo: Quando se atribui aos aspectos econômicos todas as causas necessárias para o advento da revolução socialista. Quando se acredita que a crise econômica, e somente ela, seria necessária e suficiente para criar as condições para a queda do capitalismo.

  • Estado Ampliado: Estado em sentido amplo, composto pelas esferas políticas e sociais. Nos termos gramscianos, Estado Ampliado é formado pela sociedade política (monopólio da força) mais a sociedade civil (hegemonia ideológica). O Estado ampliado engloba a burocracia administrativa, o aparato policial-militar, as instituições legais e também todo sistema responsável pela difusão da ideologia dominante, composto pela Igreja, sistema escolar, sistema de comunicação, sindicatos, partidos políticos, etc.

  • Estado Laico: Quando a Igreja deixa de ser um aparelho ideológico de Estado e passa a ser um aparelho privado de hegemonia.

  • Estatolatria: Culto ao Estado. Acreditar que a fase da ditadura do proletariado, sobretudo sobre a forma de ditadura do partido, deveria se tornar permanente.

  • Funções de Dominação: Monopólio da força policial, militar e legal.

  • Funções de Hegemonia: Conquista dos corações e mentes da maioria da sociedade. Ganhar o apoio da maioria via a difusão de um conjunto de idéias que preencha seus anseios.

  • Guarda Noturno: O Partido Comunista deve exercer a função de guardião, para evitar que, durante a ditadura do proletariado, haja uma acomodação no processo de avanço rumo ao fim do Estado, rumo ao comunismo. Sem uma permanente vigilância do Partido, as lideranças que ocupam as funções de governo podem se acostumar com o poder e suas vantagens, perpetuando-se nestas condições. A ditadura do proletariado invés de avançar rumo ao comunismo derivaria para uma ditadura tradicional.

  • Guerra de Posição/Guerra de Movimento: Guerra de Movimento é o tipo de ataque frontal contra o inimigo com o objetivo de derrubá-lo rapidamente; aquelas investidas rápidas, de curta duração; seu êxito depende da correlação de forças, ou seja, da força dos atacantes e da fragilidade dos atacados; por ser de movimento, não há garantias da manutenção da posição conquistada. Guerra de Posição implica em ações consistentes, que vão demarcando conquistas, as posições dos atacantes, alargando o espaço de influência e ação desses grupos; é o tipo de combate feito nas trincheiras, com o objetivo de ir minando a resistência do inimigo. Nas sociedades orientais, como na Rússia, a fraqueza da sociedade civil frente à predominância da sociedade política, justificava a adoção da guerra de movimento. No ocidente, onde por trás da sociedade política existe uma sociedade civil complexa e atuante, impõe-se a adoção da guerra de posição para ganhar a direção político-ideológica, via a conquista do consenso majoritário.

  • Hegemonia: Consentimento social consolidado; conquista, via consenso e persuasão, da direção intelectual e moral da sociedade. Capacidade de unificar e manter unido o bloco social formado pelas classes dirigentes e pelas classes subordinadas. Somente pela conquista da hegemonia é que é possível realizar a transformação da sociedade burguesa em sociedade socialista. A conquista da hegemonia para um projeto que reflifa os interesses da classe trabalhadora, passa, impresncindivelmente, pela atuação pedagógica dos trabalhadores. Não há transformação sem educação revolucionária; não há educação revolucionária sem coerência entre teoria e prática, pois as pessoas avaliam os projetos pela sua atuação concreta.

  • Ideologia Arbitrária/Ideologia Orgânica: As Ideologias Arbitrárias têm baixa capacidade de aderência pela sociedade. Elas não conseguem penetrar, de forma profunda e permanente, no pensamento da população. As Ideologias Orgânicas têm capacidade de penetração e de conversão das pessoas rumo a uma nova maneira de ver o mundo. Para Gramsci, o marxismo, seria precisamente uma ideologia orgânica, que permanecerá até que a sociedade possa alcançar o ideal do comunismo. As ideologias orgânicas têm força psicológica, organizam a sociedade, constituem o fundamento sobre a qual os homens adquirem consciência de sua posição, e lutam para mudar esta situação.

  • Intelectual Orgânico: Aqueles que procedem ao entrelaçamento entre a ideologia espontânea que brota da consciência do ser social e a fundamentação teórica capaz de dar consistência e homogeneidade às ideias e práticas de um grupo social. Exerce funções organizativas, tanto no campo da produção, como da cultura, e mesmo no campo político-administrativo. O intelectual orgânico atua por dentro da sociedade, ele faz parte das massas. O intelectual tradicional tem uma posição destacada da sociedade, faz parte da elite intelectual. O intelectual orgânico não, ele está imiscuído nas tarefas cotidianas da massa trabalhadora. Cabe ao intelectual orgânico elaborar e difundir junto ao povo uma nova visão de mundo. A ele cabe conscientizar o povo, mostrar sua condição de explorado e o caminho para se tornar classe dominante. A superioridade de um grupo social se manifesta pela dominação (poder e força) e como direção intelectual e moral. Só é dirigente quem conquista o consenso, a hegemonia; não basta ser dominante, tem que ser dirigente, pois do contrário não se mantém no poder.

  • Maximalismo: O maximalismo é uma concepção fatalista e mecanicista da doutrina de Marx. Fica-se eternamente à espera do Grande Dia, sem cuidar, enquanto isso, de organizar as massas.

  • Moderno Príncipe: O mito-príncipe não pode ser uma pessoa real, um individuo concreto, só pode ser um organismo. Este organismo já é dado pelo desenvolvimento histórico e é o partido político, a primeira célula na qual se concentram os germes de vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais”, o novo sujeito coletivo já historicamente afirmado, ou seja, o partido político. Força ideal destinada a realizar aquela “reforma intelectual e moral”. O partido que deve e não pode deixar de ser o anunciador e o organizador de uma reforma intelectual e moral (Carlos Nelson Coutinho).

  • Oriente/Ocidente: Não se trata de denominação geográfica, mas diz respeito ao estágio de desenvolvimento econômico e social dos países. Os países onde a sociedade civil se encontra menos articulada e a sociedade política exerce o domínio da organização social, se enquadram no conceito de países orientais. Os países onde a sociedade civil está mais articulada e a sociedade política não detêm a hegemonia do poder, são classificados como países ocidentais. Esta classificação usada por Gramsci foi baseada nas condições de desenvolvimento apresentadas pelos países da Europa ocidental por um lado e pela Rússia de outro. Ele usou esta classificação para mostrar que a estratégia revolucionária utilizada na Rússia não poderia ser transplantada para os países da Europa ocidental.


  • Partido político:Lugar sociológico em que os indivíduos de uma classe econômica adquirem consciência da sua realidade social e política; de homens econômicos, tornam-se homens políticos.

  • Pessimismo da Razão e Otimismo da Vontade: A razão deve manter um tom crítico e realista em relação às condições de sucesso da revolução socialista nos países ocidentais. Deve-se sempre manter-se cauteloso quanto aos avanços alcançados pela luta do proletariado rumo ao socialismo. Esta posição contrasta com a visão otimista dos economicistas, dos maximalistas, que acreditavam que o capitalismo cairia sozinho, e bastaria se organizar para assumir o poder no dia em que isto acontecesse. Gramsci acreditava que o advento do socialismo nos países ocidentais só aconteceria se a classe proletária se mantivesse ativa e operante. O Otimismo da vontade contrastava com o comodismo dos fatalistas e mecanicistas.

  • Questão Meridional: Não integração do mundo camponês sulista italiano aos processos de modernização econômica e política apresentada pelo norte desenvolvido. O sul, atrasado e semi-feudal, funcionou como um território colonial explorado pela burguesia industrial do Norte. Era um mercado cativo devido ao protecionismo e um fornecedor de mão de obra barata para a indústria do norte. Esta situação unia os industriais do norte aos latifundiários do sul. O grande lucro dos industriais do norte cooptava os operários com aumento de salários. Quebrar esta acomodação histórica seria condição necessária para que o proletariado se tornasse classe dirigente na Itália.

  • Questão Vaticana: Os trabalhadores vivem o catolicismo como problema cotidiano, eles encontram uma explicação para o mundo na religião católica. O Partido Comunista precisava compreender as raízes dessa decisão cultural, para orientar as ações dos intelectuais orgânicos na busca de criação de uma nova hegemonia. A tarefa de substituir a doutrina católica pela ideologia marxista não pode ser realizada sem um profundo conhecimento das condições que levaram os trabalhadores a encarnar o pensamento cristão.

  • Recuo das Barreiras Econômicas: Em países mais desenvolvidos, uma crise econômica não gera necessariamente uma crise orgânica. A linha de defesa da sociedade burguesa se encontra mais além das barreiras econômicas.

  • Reforma Intelectual e Moral: Reforma profunda na forma de pensar do povo. Não se trata apenas uma renovação política, econômica e social, mas também de uma revolução cultural, do desenvolvimento de uma nova cultura, de uma nova forma de ver o mundo. A Revolução Francesa de 1789 representou uma reforma intelectual e moral da sociedade francesa, que passou a acreditar que o Estado laico e as instituições democráticas poderiam substituir a antiga ordem absolutista. Gramsci afirmava que na Itália nunca havia ocorrido uma reforma intelectual e moral que envolvesse as massas populares, que promovesse uma profunda transformação das consciências, que gerasse um novo desenvolvimento da vontade coletiva no sentido da realização de uma forma superior de civilização moderna.

  • Revolução Ativa/Revolução Passiva: A Revolução Passiva é uma espécie de revolução sem revolução, uma reorganização do poder sem mudar substancialmente os valores, a ideologia dominante. O Risorgimento na Itália foi uma espécie de Revolução Passiva, a Revolução Francesa foi uma Revolução Ativa.

  • Senso Comum: Gramsci definia senso comum como o folclore da filosofia, uma pseudofilosofia sem uma ordem intelectual. Ele dizia que a filosofia do senso comum era a filosofia dos nãos filósofos, uma concepção de mundo absorvida de modo acrítico. O senso comum ocupa um lugar intermediário entre o folclore e a filosofia. O senso comum deve ser superado porque impede que as massas criem uma consciência crítica de classe. O senso comum, portanto, não pode ser visto como filosofia do povo.

  • Sociedade Civil: Aparelhos da sociedade de disputa da hegemonia (organismos aos quais se adere voluntariamente e que não se caracterizam pelo uso da repressão). Conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e difusão das ideologias, tais como, o sistema escolar, as Igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, movimentos sociais, etc. A sociedade civil é um sistema complexo, capilar e difuso.

  • Sociedade Política: Constitui a força legalmente constituída, trata-se da parte mais comumente identificada como Estado. Aparelhos Estatais de coerção composto pelo sistema jurídico-legal e pelos aparelhos de repressão, pela força policial e militar.

  • Sociedade Regulada: O comunismo, quando o Estado (mecanismos de coerção) é absorvido pela sociedade civil, cedendo lugar para a hegemonia e o consenso. Gramsci usava o termo sociedade regulada como sinônimo de comunismo, para driblar a censura da época.

  • Supremacia: Quando a hegemonia e a dominação, o consenso e a coerção, se unificam. Quando o novo bloco histórico se solidifica.

  • Teoria Ampliada do Estado: Estado Ampliado é formado pela Sociedade Política mais Sociedade Civil. É a hegemonia revestida de coerção. Nas sociedades mais desenvolvidas o Estado não é somente constituído pelos aparelhos de Estado (Administração Pública e Sistema Constitucional-Legal), mas também pelos aparelhos privados de hegemonia, ou seja, pela sociedade civil organizada. Gramsci inova ao aprofundar a compreensão de Estado, pois rompe com a visão preponderante que associa o Estado a uma organização monolítica, a serviço exclusivo dos interesses da classe dominante.

  • Transformismo: Assimilação, pelo bloco dominante, das frações rivais dentro do próprio bloco dominante e dos setores que compõem as classes subalternas. É uma forma de cooptação.

Fontes: 
As armas da crítica. 
Cadernos de Formação Sindical CNTE - Teoria Política
Trevisan