Veja, abaixo, na
íntegra, a matéria veiculada pelo semanário Cinform, na Edição 1510, de 19 a 25
de março de 2012, sobre os salários gigantes existentes no Tribunal de Justiça
do Estado de Sergipe.
DESEMBARGADOR TEM SALÁRIO DE R$ 130
MIL
Acumulo de benefícios ao salário faz
com que magistrados sergipanos ganhem bem mais que o teto legal.
CNJ não vê irregularidades. Amase defende alta remuneração, enquanto
população e OAB a consideram abusiva.
No final do ano passado, uma crise se abateu sobre o judiciário de todo
o País. O motivo foi uma suposta investigação do Conselho Nacional de Justiça –
CNJ -, órgão criado para, justamente, fiscalizar a atuação dos magistrados,
sobre os ganhos dos juízes e desembargadores.
O estopim para o mal-estar foi os supersálarios pagos à alta cúpula do
Tribunal de Justiça de São Paulo, Estado onde alguns juízes e desembargadores
chegaram a ter ganhos acima de R$ 500 mil, valor quase 20 vezes maior que o
teto legal do funcionalismo publico.
Aqui em Sergipe, segundo dados divulgados pelo próprio site do Tribunal
de Justiça, juízes e desembargadores também têm recebido além do teto legal,
embora em valores mais modestos, se comparados aos ganhos dos colegas
paulistas.
Por imposição do próprio CNJ, a página de TJ na internet disponibiliza
toda a folha de pagamento do Judiciário. Embora não sejam divulgados os nomes
dos servidores, dá para ver que todos os 13 desembargadores recebem além do
teto, que no Estado é de R$ 24.117,62, o que equivale a 38 salários-mínimos
(ver gráfico). A maioria dos juízes da ativa e alguns aposentados também
recebem além desse valor.
Os magistrados inflam seus salários com gratificações, diárias e
auxílios, o que faz com que os vencimentos variem mês a mês. Nos três primeiros
meses deste ano, por exemplo, apenas um desembargador ganhou só teto, em
janeiro. Agora em março, outro integrante da corte deverá embolsar um salário
de R$ 129.395,38, cinco vezes mais que o máximo autorizado por lei. Apesar
disso o CNJ não registra nenhum ganho além-irregular. Para a entidade que tem o
dever de fiscalizar os magistrados, os salários anabolizados são legais. Toda a
folha de pagamento do Judiciário em Sergipe supera os R$ 20 milhões.
Exceção ou regra?
Um servidor do Tribunal de Justiça consultado pelo Cinform, que preferiu
não se identificar, afirma que, apesar de a lista com os salários não divulgar
os nomes dos desembargadores, há como se supor que o salário de quase R$ 130
mil deve ter sido pago ou ao presidente do TJ, ou ao vice-presidente ou ao
corregedor. “Só pode ser de um deles, porque são os que recebem a gratificação
de Cargo Comissionado, um valor adicional ao teto de R$ 2.065”, supõe o
funcionário anônimo do Tribunal. Os dados do site mostram que o dono do
contracheque gordo embolsa tal benefício.
Segundo a fonte ouvida, os desembargadores e juízes não têm carga
horária fixa. Em tese, eles recebem por seis horas de trabalho, das 8 às 14
horas, de segunda a sexta-feira. “Isso só justifica o teto. O resto, é obvio:
Eles recebem além por férias não desfrutadas, gratificação natalina, diárias,
horas-extras e todo o tipo de gratificação”, explica o servidor.
A lista de pagamentos disponibilizando site do TJ não mostra nenhum
magistrado sergipano com valores retidos por excederem o teto. Resoluções do
CNJ e da própria Justiça consideram que valores pagos como auxílio-alimentação,
auxílio-moradia, gratificação natalina e adicional noturno podem ser
incorporados ao salário e ultrapassar o limite máximo legal.
“A questão é que, o que era pra ser uma exceção acaba virando regra.
Nenhum magistrado fica sem ganhar gratificações. Há casos, na folha, de a
quantidade de benefícios pagos serem até maior que o próprio salário. O que
acontece, de verdade, é um mecanismo de geração extra de renda”, denuncia outro
servidor do Judiciário ouvido pelo Cinform.
Injustiçados
A exorbitância dos supersálarios dos magistrados desagrada aos demais
servidores do Judiciário. “Os juízes e desembargadores estão num feudo de
privilégios. Sem dúvida, eles precisam seguir o teto remuneratório. Se isso
serve para todos os servidores, por que não pra eles?” reclama Plínio Pugliesi
Cardozo, presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário em Sergipe
– Sindiserj.
De acordo com o sindicato, os demais servidores da Justiça se sentem
injustiçados diante da disparidade de salários. “O clima entre os funcionários
é de indignação. A alta remuneração dos magistrados através de contribuições e
auxílios não deixa de ser uma distribuição de renda estritamente desigual”, diz
Plínio Cardozo.
Amase defende remuneração
A Associação dos Magistrados de Sergipe – Amase – discorda de que a
remuneração dos magistrados seja exorbitante. Para o presidente da entidade, o
juiz Gustavo Adolfo Plech Pereira, o que tem acontecido é que, após o incidente
com as investigações do CNJ em São Paulo, estaria em curso uma espécie de
“campanha” para macular a magistratura. “Todos os olhares estão voltados para o
judiciário. Tudo de ruim que acontece com uma minoria acaba sendo generalizado
para todo o poder”, diz.
Segundo Gustavo Plech, os salários dos desembargadores e juízes não são
reajustados há quase sete anos. Se eles ganham além do teto, é porque muitos
conseguiram vencer ações trabalhistas para reaver perdas ou benefícios a que
tinham direito e não eram pagos. “Tivemos direitos sonegados no passado, e só
agora estamos recebendo metade dos atrasados, em 48 parcelas e sem juros e
correção”, explica o magistrado.
Para a Amase, o juiz deve, sim, receber uma remuneração digna com a
função. De acordo com Gustavo Plech, no entanto, isso não acontece hoje em dia.
“Sem reajuste, corre-se o risco de o poder publico perder seus melhores
funcionários para a iniciativa privada. Por exemplo: ‘será que um bom advogado
vai querer ser juiz se ele não puder ser bem remunerado’”?, indaga.
O presidente da Amase diz que a população precisa reconhecer o valor dos
juízes, visto que a magistratura é essencial para o perfeito funcionamento da
democracia. “O juiz é quem defende a sociedade contra, até mesmo, o próprio
Estado. Somos uma categoria de abnegados, que trabalha muito além da carga
horária normal, que leva trabalho pra casa e que deve ganhar bem para atuar com
independência e tranquilidade”, diz Gustavo Plech.
Altamente impopular
A grande maioria dos trabalhadores nem sonha em ganhar um supersalário
como o dos magistrados. Segundo dados do Ministério do Trabalho, a média de
renda do assalariado é de cerca de R$ 1.600, ou quase 15 vezes menos que o teto
dos desembargadores (veja gráfico).
Pelas ruas de Aracaju, a população se revolta em saber que atrelados ao
vencimento polpudo dos integrantes da corte do TJ, há ainda outros benefícios
igualmente generosos. “Acho uma injustiça tremenda. Eu que já fui servidora do
Judiciário da Bahia e me aposentei ganhando menos de R$ 2.000. Acho que esse
meu salario não compensa, por exemplo, as hérnias que ganhei de tanto carregar
processos. Lógico que eles devem ganhar bem, mais não devia haver essa
disparidade tão grande”, diz a técnica judiciária Lucineide da Silva Carvalho.
Para a bancária Simone Alves Moraes, os juízes acabam vivendo em um
mundo diferente, onde conquistam benefícios que ninguém mais tem. “É um
absurdo, eles recebem gratificações e vantagens que nenhum trabalhador comum
sonha em ganhar. Por exemplo, eles têm duas férias por ano e, agora, terão
direito a auxílio-moradia. Qual outra categoria tem isso? Só eles e os
políticos. Gente paga pelo povo, que ganha pouco”, revolta-se.
OAB é contra auxílios
A ordem dos Advogados do Brasil – OAB – tem se mostrado contrária a
recente aprovação do auxílio-moradia e auxílio-saúde para membros da
magistratura do Ministério Publico.
Para a entidade esses benefícios são artifícios para mascarar um aumento
ilegal de salários além do teto.
“São, na verdade, penduricalhos atrelados ao salário em clara oposição
ao que determina a Constituição. A OAB defende que os juízes merecem ganhar
bem, até para que o judiciário se fortaleça. Mas isso não poder ser feito
através de instrumentos ilegais”, afirma Carlos Augusto Monteiro Nascimento,
presidente da OAB/SE.
A Ordem dos Advogados já enviou um posicionamento contra os benefícios
para o Conselho Federal da OAB para o ajuizamento de uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade, pedindo o fim do pagamento com a possibilidade
inclusive, de fazer com que os magistrados que já receberam o auxílio serem
abrigados a devolverem os valores. A OAB/SE também irá propor uma ação
semelhante contra o pagamento de auxílio-moradia aos conselheiros do Tribunal
de Contas de Sergipe.
“Vários juízes e promotores já declararam que esses auxílios são ilegais
e se recusaram a recebê-los. Isso reforça o nosso argumento de que o pagamento
desses benefícios em caráter de verba indenizatória é inconstitucional”, diz
Carlos Augusto Monteiro.