28 novembro, 2016

MSPL inscreve chapa para as eleições da Direção do Sindijus 2017-2019



Hoje, primeiro dia de inscrições de chapas para as eleições da Diretoria Executiva, Conselho Fiscal e Suplentes do Sindijus/SE, que acontecem em fevereiro de 2017, o Movimento Sindicato é Pra Lutar (MSPL) se coloca novamente à disposição da luta e inscreve a sua chapa.

A corrente sindical MSPL, fundada há 10 anos, foi responsável pela mudança do modelo de sindicalismo e da cara do Sindijus (antes Sindiserj). O MSPL rompeu com o sindicalismo assistencialista, que se resumia à mera administração de planos de saúde, e implementou o sindicalismo combativo, organizando as primeiras campanhas salariais que prevalecem até os dias atuais e já fazem parte da identidade dos servidores do Tribunal de Justiça de Sergipe.

É nesse período de intensas lutas que os trabalhadores do TJSE conquistam seus maiores avanços e passam a ter autonomia perante a gestão.

Apesar de influenciar e já contribuir diretamente com a organização sindical no TJ antes mesmo de exercer mandato, o Movimento está na direção do Sindijus desde 2011. Nesse período, exerceu dois mandatos que transformaram o sindicato em todos os aspectos, da qualidade das ações políticas à estrutura administrativa da entidade. O Sindijus passou de um sindicato pouco conhecido para ser um dos sindicatos mais atuantes e respeitados em Sergipe.

A formação da chapa do MSPL não surge da vontade individual. Perpassou por um processo de debates, amplo e democrático, entre os servidores do TJSE que constroem o Movimento. O processo começa um ano antes entre os militantes do Movimento. Foram realizadas diversas reuniões, pré-inscrições de candidatos e, finalmente, a votação interna sobre os nomes que iriam compor a nova chapa.

A chapa do MSPL é formada por Técnicos e Analistas que colocam seus nomes à disposição da categoria para disputar o 3º mandato do grupo no comando do Sindijus. E, caso sejam aprovados, continuarão organizando, diuturnamente, as lutas dos servidores do TJSE por justiça.

Na luta sempre!


CONHEÇA A CHAPA DO MOVIMENTO SINDICATO É PRA LUTAR (MSPL)

Diretoria Executiva

Coordenação de Relações Institucionais e Comunicação:
  • GILVAN SANTOS, Analista Judiciário, última lotação no Fórum Arthur Déda, em Nª. Srª. do Socorro, atualmente à disposição do Sindijus/SE.

Coordenação de Administração e Finanças:
  • ALEXANDRE ROLLEMBERG, Técnico Judiciário, lotado no Fórum Gumersindo Bessa, em Aracaju.

Coordenação da Secretaria-Geral:
  • MARCUS RAMOS, Analista Judiciário, lotado no Palácio da Justiça em Aracaju.

Coordenação de Formação Sindical:
  • MILA PUGLIESI, Técnica Judiciária, lotada no Fórum Gumersindo Bessa, em Aracaju.

Coordenação de Políticas Sociais:
  • JONES RIBEIRO, Técnico Judiciário, lotado nos Fóruns Integrados II, em Aracaju.

Coordenação de Aposentados e Pensionistas:
  • SARA CAVALCANTE DO Ó, Técnica Judiciária, lotada no Fórum Gumersindo Bessa, em Aracaju.

Coordenação de Assuntos Jurídicos:
  • PLÍNIO PUGLIESI, Técnico Judiciário, última lotação no Fórum Gumersindo Bessa, em Aracaju, atualmente à disposição do Sindijus/SE.

Coordenação de Cultura e Lazer:
  • FABIANE SPIER, Técnica Judiciária, lotada no Fórum Gumersindo Bessa, em Aracaju.

Coordenação de Saúde dos Trabalhadores:
  • RAUL LAURENCE, Técnico Judiciário, lotado no fórum de Estância.

Conselho Fiscal
  • ANTÔNIO FERNANDES, Técnico Judiciário, lotado nos Fóruns Integrados I, em Aracaju.
  • BRAZ ATHANAZIO JR, Técnico Judiciário, lotado no fórum de São Cristóvão.
  • LARISSA CARMONA, Técnica Judiciária, lotada nos Fóruns Integrados III, em Aracaju.

Suplência

1º Suplente:
  • MARCELO FERREIRA, Técnico Judiciário, lotado no Palácio da Justiça, em Aracaju.

2º Suplente:
  • VAGNER DO NASCIMENTO, Técnico Judiciário, última lotação no Fórum Gumersindo Bessa, em Aracaju, atualmente à disposição do Sindijus/SE.

3º Suplente:
  • TIAGO PASSOS, Analista Judiciário, lotado no Palácio da Justiça, em Aracaju.




04 novembro, 2016

Carlos Marighella: a chama que não se apaga

Em perfil publicado na Folha em 12 de novembro de 1984, o sociólogo Florestan Fernandes retoma a trajetória e prática política do ex-deputado e líder da ALN


O 4 de novembro de 1969 incorporou-se à história graças a um feito policial-militar que culminou na morte de Carlos Marighella. Faz, portanto, quinze anos que morreu o principal líder da ALN (Ação Libertadora Nacional), figura política que se tornara conhecida como militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro), seu dirigente de cúpula e também seu deputado no Congresso que elaborou a Constituição de 1946. Ele foi perseguido como a caça mais cobiçada e condenado à morte cívica, eliminação da memória coletiva. Só em dezembro de 1979, quando seus restos mortais foram trasladados para Salvador, sua cidade natal, Jorge Amado proclamou o fim da interdição expiatória: "Retiro da maldição e do silêncio e aqui inscrevo seu nome de baiano: Carlos Marighella". No ano passado, removemos outra parte da interdição, em uma cerimônia pública de recuperação cívica e de homenagem que "lavou a alma" de socialistas e comunistas em São Paulo.

Um Homem não desaparece com a sua morte. Ao contrário, pode crescer depois dela, engrandecer-se com ela e revelar sua verdadeira estátua à distância. É o que sucede com Marighella.

Ele não redimiu os oprimidos nem legou um partido novo. Mas atravessou as contradições que vergaram um partido que deveria ter enfrentado a ditadura revolucionariamente, acontecesse o que acontecesse. Desmascarou assim a realidade dos partidos proletários na América Latina. Em uma situação histórica de duas faces (como gosto de descrever), contrarrevolução e revolução ficam tão presas uma à outra que são os dois lados de uma mesma moeda. À superfície, parece que a luta de classes opera em mão única — no sentido e a favor dos donos do capital e do poder. Todavia, no subterrâneo (na “infraestrutura da sociedade” ou no “meio social interno”) existem várias fogueiras, e o aparecimento de alternativas históricas pode depender de “um punhado de homens corajosos” ou de partidos organizados e preparados para a revolução.

Em vários países da América Latina, entre eles o Brasil, a burguesia — apesar da dependência econômica, cultural e política — está encravada nas estruturas de poder nacional e as controla com mão de ferro. As ditaduras, “tradicionais” ou “modernas”, marcam as oscilações súbitas, às vezes de curta duração, da guerra civil latente para a guerra civil aberta. Nenhum partido dos oprimidos pode pretender-se revolucionário, na orientação socialista ou comunista, se não estiver preparado para enfrentar tenaz e ferozmente essas oscilações. A “legalidade”, na acepção de uma sociedade civil civilizada, é uma ficção. O grande valor de Carlos Marighella — como o de outros que enfrentaram corajosa e tenazmente aquelas contradições, com a “crise interna do partido” — está no fato de ter compreendido objetivamente e exposto sem vacilações o que a experiência lhe ensinava. No diagnóstico, algumas vezes, ficou preso a uma terminologia equivocada e a concepções que ele pretendia apurar e superar através de uma prática revolucionária consequente com o marxismo-leninismo e com as exigências da situação histórica. Por fim, acabou vitimado pela vulnerabilidade central: a inexistência do partido que poderia abrir novos rumos na transformação revolucionária da sociedade. Um partido desse tipo não nasce de um dia para o outro. Requer uma longa e difícil construção. Marighella caiu nos ardis que apontara, tentando derrotar o inimigo onde era impossível fugir ao seu “cerco militar estratégico”. Não fora ao fundo da análise da Revolução Cubana, ignorando o quanto uma situação histórica revolucionária simplificara os caminhos daquela revolução. A “via militar” revolucionária, no entanto, se mostraria frágil sob o capitalismo dependente mais diferenciado e, por vezes, avançado na América do Sul, especialmente depois da vitória do Exército Rebelde em Cuba.

As deficiências e os equívocos de Carlos Marighella resultaram de fatores incontroláveis e insuperáveis. Ele foi até onde seu dever exigia, sem meios para tornar a missão necessária realizável. A revolução proletária não é um “objetivo” do partido revolucionário. Ela é, ao mesmo tempo, sua razão de ser, seu sustentáculo e seu produto, mas de tal modo que, quando o partido revolucionário surge, ele é um coordenador, concentrador e dinamizador das forças sociais explosivas existentes. Como assinalou Karl Marx, “a humanidade não se propõe nunca senão os problemas que ela pode resolver, pois, aprofundando a análise, ver-se-á sempre que o próprio problema só se apresenta quando as condições materiais para resolvê-lo existem ou estão em vias de existir”. O que qualifica e distingue as posições assumidas por Carlos Marighella é o propósito de romper com uma linha adaptativa, que retirava o Partido Comunista do polo proletário da luta de classes, convertendo-o em “cauda” permanente e em esquerda da burguesia.

O seu marxismo-leninisimo ficou muito mais próximo da intenção que da elaboração teórica e prática consequente. O que não o impediu de encontrar, através da prioridade política e da acumulação de uma vasta experiência concreta negativa, uma versão objetiva das sinuosidades do comunismo adaptativo e tolerante que o marxismo acadêmico só descobriu tarde demais ou, então, nunca teve gana de desmascarar. No momento mesmo no qual nos vemos de novo impelidos para os erros do passado, parece indispensável voltar às suas críticas e às razões de suas rupturas (ainda que seja impensável reabsorver o conjunto de soluções teóricas e práticas que inspirou e difundiu). Em três pontos, pelo menos, é indispensável tomá-lo como referência de uma purificação marxista dos nossos partidos revolucionários.

O primeiro ponto tem a ver com os vínculos diretos da teoria com os fatos concretos e com a realidade, pela experiência crítica e pela ação crítica. Essa orientação é básica para a elaboração de um comunismo made in América Latina, construído por nós, embora com raízes marxistas e leninistas. Ele situa em plano secundário o intelectual “teórico”, eurocêntrico, e repele as “soluções importadas”, que impunham os modelos invariáveis de algum monolitismo soviético, chinês etc. O segundo ponto é o mais decisivo, pois põe em questão qual é o partido revolucionário que deve surgir das condições econômicas, sociais e políticas dos países da América Latina (e do Brasil, em particular). Uma sociedade civil que repele a civilização para todos e um Estado que concentra a violência no topo para aplicá-la de forma ultraopressiva e ultraegoísta envolvem uma barbárie exasperada específica. Tal partido deverá ser, sempre, uma espécie de iceberg, por mais confiável e durável que pareça sua “legalidade”. Isso lhe permitirá interagir dialeticamente nos dois níveis da transformação revolucionária da sociedade – o burguês, por dentro da ordem, e o proletário e camponês, contra a ordem. O terceiro ponto refere-se à aliança com a burguesia, que nunca deveria ter alcançado a densidade e a permanência que atingiu. Um partido comunista dócil à burguesia nunca será proletário nem revolucionário e terá, como sina inexorável, que perverter a aliança política. “O segredo da vitória é o povo”. O eixo de gravitação das alianças está, portanto, na solidariedade entre os oprimidos; em suas lutas anti-imperialistas, nacionalistas e democráticas, tanto quanto nas suas tentativas de domar a supremacia burguesa, conquistar o poder ou implantar o socialismo. Em suma, Carlos Marighella era um sonhador com os pés no chão e a cabeça no lugar. Ele ainda desafia os seus perseguidores e merece dos companheiros de rota (e do antigo partido) que levem seriamente em conta sua tentativa de equacionamento teórico e prático do enigma do movimento comunista no Brasil.



* Texto publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo, em 12 de novembro de 1984.


15 outubro, 2016

50 anos dos Panteras Negras: a luta contra o racismo no coração do Império

No dia 15 de outubro comemoramos os 50 anos de criação do Partido dos Panteras Negras. Esta foi um dos principais movimentos de resistência negra dos Estados Unidos na década de 1960 e influenciaria a luta antirracista e anticapitalista em várias partes do mundo. Desde o início, adotou o marxismo como referência teórica da sua ação e logo se transformou no inimigo público número um do FBI. Através do uso sistemático da infiltração policial, espionagem e repressão, o Estado imperialista conseguiu destruí-lo. Dezenas de militantes foram mortos e centenas presos. Contudo, o seu exemplo ficou para as gerações que os sucederam. E, hoje, os “Panteras Negras” são um símbolo da luta antirracista e anticapitalista na América do Norte e no mundo.

Panteras Negras em protesto na Assembléia Legislativa da Califórnia contra o desarmamento dos negros.

Na metade da década de 1950 conseguiu-se derrubar na Suprema Corte dos Estados Unidos as leis segregacionistas (“iguais mais separados”) que impediam o acesso da população negra às melhores escolas, universidades e repartições públicas. Alguns anos depois – entre 1964 e 1965 –, foi aprovada uma série de leis garantindo os direitos civis e o voto a todos os negros. Aquelas haviam sido importantes conquistas democráticas – fruto de uma luta centenária que custou milhares e milhares de vidas –, mas a condição social dos negros, especialmente a dos mais pobres, não melhorou e, em muitos casos, piorou. A igualdade formal (apenas perante a lei) não tinha o condão mágico de eliminar por si só as profundas desigualdades sociais criadas pelo capitalismo. A situação nos guetos estadunidenses continuou explosiva.

Em agosto de 1965 eclodiu uma sangrenta revolta em Los Angeles, no estado da Califórnia. O conflito teve início quando policiais brancos abordaram de forma violenta um jovem negro acusado de “direção perigosa”. Aquela foi a gota d’água para uma comunidade que vivia sendo humilhada e agredida cotidianamente. Após duros confrontos entre a população e as forças de repressão, seguiram-se saques, incêndios de carros e de estabelecimentos comerciais. Aterrorizadas, as autoridades estaduais solicitaram a intervenção da Guarda Nacional. Como resultado desses conflitos, houve: 34 mortos, 1.032 feridos e 3.952 presos. E os prejuízos ultrapassaram a cifra dos 40 milhões de dólares. Este era o clima reinante na ensolarada e liberal Califórnia quando alguns jovens negros começaram a se auto-organizar para defenderem sua comunidade da ação truculenta da polícia.


Nasce o Partido Panteras Negras para Autodefesa

A história dos Panteras Negras começa em 15 de outubro de 1966 na cidade de Oakland, próximo a São Francisco no mesmo estado da Califórnia, quando Huey P. Newton e Bobby Seale (ambos na foto ao lado) criam o “Partido dos Panteras Negras para Autodefesa”. Os dois se conheceram no Merrit College e ali ingressaram numa das muitas associações afro-americanas. Depois disso Newton, cursou Direito e Seale entrou para o exército, onde ficou por quatro anos, passando os últimos seis meses detido por se confrontar com um oficial racista. Newton também conheceria a prisão por oito meses por ter se envolvido numa briga. Ao se reencontrarem, chegaram à conclusão de que era preciso organizar um partido que defendesse a comunidade negra da cidade.

Em pouco tempo a nova organização mudaria a face do movimento negro dos Estados Unidos e influenciaria a luta antirracista e anticapitalista em várias partes do mundo. O objetivo inicial, aparentemente, não tinha nada de revolucionário. Um dia, Huey e Bobby descobriram que podiam usar a própria legislação existente para defenderem-se das sucessivas investidas policiais. Uma dessas leis autorizava qualquer cidadão a ostentar arma de fogo com a finalidade de proteger-se. Outra dava-lhes o direito de acompanhar de perto a atividade policial. Os jovens viram nisso uma brecha que lhes permitiria montar um grupo negro de autodefesa.

Nas suas rondas noturnas, quando presenciavam cenas de abusos do poder, saíam armados dos seus carros e com sua presença inibiam as ações mais truculentas da polícia. Ao serem questionados pelas autoridades, recitavam bem alto os seus direitos. Aqueles que assistiam à cena insólita passavam a espalhar a notícia sobre a existência de um bando de jovens negros corajosos que não temiam enfrentar os policiais racistas.


O programa dos Panteras Negras

O grupo, além de um nome, precisaria de um uniforme que impusesse respeito. Então,os “Panteras Negras” passaram a se vestir com camisas azuis, calças e boinas pretas e casacos de couro. Eles desde o início tiveram consciência do papel estratégico da agitação e da propaganda na luta pela libertação da comunidade negra. O primeiro e principal documento produzido foi o Programa de 10 pontos (O que queremos), do qual fizeram uma primeira edição de mil exemplares. Nele, se afirmava:

1º Nós queremos liberdade. Queremos poder para determinar o destino de nossas comunidades negras.

2º Queremos pleno emprego para nosso povo.

3º Queremos o fim da ladroagem dos capitalistas brancos contra nossas comunidades negras.

4º Queremos casas decentes para abrigar seres humanos.

5º Queremos educação para nosso povo! Uma educação que exponha a verdadeira natureza da decadência da sociedade americana. Queremos que seja ensinada a nossa verdadeira história e nosso papel na sociedade atual.

6º Queremos que todos os homens negros sejam isentos do serviço militar.

7º Queremos um fim imediato da brutalidade policial e dos assassinatos de pessoas negras.

8º Queremos liberdade para todos os negros que estejam em prisões e cadeias federais, estaduais, distritais ou municipais.

9º Queremos que todas as pessoas negras levadas a julgamento sejam julgadas por seus pares ou por pessoas das suas comunidades negras.

10º Queremos terra, pão, moradia, educação, roupas, justiça e paz.

Este programa sofreria modificações importantes conforme reforçava a adesão do grupo ao marxismo e ao anti-imperialismo. Entre essas mudanças está a inclusão das “comunidades oprimidas” ao lado da “comunidade negra”, sinalizando que os “Panteras” lutavam pela emancipação de todos os oprimidos e não apenas dos negros. Também ocorreria a fusão de alguns itens e a inclusão de outro: “Queremos o fim imediato de todas as guerras de agressão”, numa clara referência crítica às intervenções do imperialismo estadunidense no terceiro mundo, especialmente no Vietnã.

Estabeleceram uma série de regras que deveriam ser seguidas à risca pelos militantes da organização, como a proibição do uso de drogas. Também era vetado o uso de bebida alcoólica durante o trabalho partidário. Outro item dizia: “nenhum membro do partido cometerá qualquer crime contra outros membros ou a população negra em geral; não poderá furtar ou tomar do povo, nem mesmo uma agulha ou pedaço de linha”. E: “todos os membros em posição de liderança devem ler no mínimo duas horas por dia”. O trabalho de formação teórica e política era uma das marcas dos “Panteras Negras”.

Uma das primeiras atividades foi fazer uma coleta entre os poucos militantes e alugar uma sede, que foi inaugurada em 1º de janeiro de 1967. Poucos meses depois, criaram o semanário The Black Panther, que teve 537 edições (1967 e 1971), chegando a 150 mil exemplares. Ainda em 1967 esta frente partidária ganhou um importante reforço com o ingresso do escritor e jornalista Eldridge Cleaver.

Os “Panteras” não passavam de um grupo de autodefesa negra local com algumas dezenas de membros. Contudo, um fato os projetaria nacionalmente. No começo de 1967, temendo pela existência de milícias negras, os deputados estaduais da Califórnia passaram a discutir um projeto de lei proibindo a exibição pública de armas por civis, o “Mulford Act”. Ironicamente, até então o direito de andar armado era uma das bandeiras dos conservadores e o governador era justamente o direitista Ronald Reagan.

No dia 2 de maio, dezenas de Panteras Negras, liderados por Seale, realizaram uma demonstração armada no recinto da Assembleia Legislativa, mas por engano entraram no plenário causando pânico entre os parlamentares. Assim, o pequeno grupo de Oakland ganhou as primeiras páginas dos principais jornais do país. De um lado, isso atraiu a simpatia de milhares de jovens negros e, de outro,chamou a atenção dos órgãos de investigação e repressão do Estado, especialmente do FBI.

Logo a mídia conservadora procurou difundir a falsa ideia de que os “Panteras Negras” eram racistas – um racismo às avessas – e que odiavam todos os brancos. Seale, numa entrevista, respondeu a essas acusações infundadas:

- Quando alguém me diz que sou antibranco, coço a cabeça e penso: antibranco, o que quer dizer com isso?

- ‘Quero dizer que odeia os brancos’, retruca o jornalista.

- Eu, odiar os brancos? Mas o ódio é contra nós.

- É a KKK que me odeia e quer matar-me devido à cor da minha pele. Eu não quero matar nem maltratar ninguém pela cor da sua pele. Sim, há alguma coisa que odiamos. Odiamos a opressão de que somos vítimas. Odiamos os policiais que agridem e matam os negros. A nossa energia queremos consagrá-la não a odiar quem quer que seja em virtude da cor da pele, mas à luta para acabar com a opressão”.

Os “Panteras Negras” não realizaram apenas demonstrações armadas, eles também montaram um eficiente sistema de assistência social, com refeitórios que serviam café da manhã para crianças e adolescentes, clínicas médicas, escolas primárias e cursos de formação política. Fizeram campanhas contra o alcoolismo e as demais drogas, pois acreditavam que contribuíam para a desagregação das comunidades negras. Possivelmente, o exemplo do movimento de libertação da Argélia, vitorioso em 1962, os tenha inspirado. De um grupo exclusivamente masculino, ele logo passou a aceitar o ingresso de mulheres, que chegaram a representar mais da metade da militância. A ativa participação delas – como Kathleen Cleaver, Elaine Brown e Assata Shakur– mereceria uma página especial na história dessa organização.

Os Panteras Negras tinham uma forma de organização original. Seu órgão dirigente denominava-se Comitê Central, seguindo a antiga tradição comunista. Mas este não se organizavaatravés de um secretariado, comandado pelo secretário-geral ou primeirosecretário. Uma concepção militarista (com influência de Régis Debray) e nacionalista-negra (que entende a população negra como uma nação dentro da nação) leva que o cargo principal seja o de ministro da Defesa, assumido por Newton. Seguido pelo presidente (Seale). Depois vinha o ministro da Informação (Eldridge Cleaver), o chefe do Estado-Maior (David Hilliard), o marechal de campo (Don Cox), o ministro da Educação (Ray Massai Hewitt), o ministro da Cultura (Emory Douglas), a secretária de comunicações (Kathleen Cleaver, primeira mulher a assumir um cargo na direção nacional).Em fevereiro de 1968,foi anunciada a integração do Comitê de Coordenação Estudantil da Não Violência (SNCC, na sigla em inglês)aos “Panteras Negras”. Três dirigentes daquela organização passaram a compor o Comitê Central: Stokely Carmichel (primeiro-ministro), H. Rap Brown (ministro da Justiça) e James Forman (ministro de Assuntos Exteriores).


Marxismo e terceiro-mundismo

Inicialmente, o partido era influenciado pelo exemplo de Malcolm X, morto em fevereiro de 1965, mas ao contrário deste não tinha relação como islamismo negro. Sua perspectiva era laica, marxista e terceiro-mundista. O assassinato de Luther King em 4 de abril de 1968 representou um duro golpe nas correntes que advogavam a resistência pacífica contra a opressão à comunidade negra e levou a uma radicalização maior de setores do movimento, inclusive os “Panteras Negras”. Estes passaram por um momento de rápida ascensão, com um aumento significativo da abrangência da sua organização e no número de militantes.

Os “Panteras Negras” foram muito influenciados pelo maoísmo e faziam proselitismo do Livro vermelho do camarada MaoTse-tung, mas também mostravam simpatias por outros revolucionários. Como disse Ray (Massai) Hewitt: “Aprendemos com o presidente Mao, com Ho Chi Minh e temos um profundo carinho por Fidel Castro”. Outro de seus líderes, George Murray, já havia dito: “nosso pensamento se inspira em Che Guevara, Malcolm X, Lumumba, Ho Chi Minh e Mao Tse-tung”. Don Cox, por sua vez, afirmou: “aprenderemos com todos aqueles que anteriormente mantiveram bem alto a chama (revolucionária): Marx, Lênin, Stalin, Mao, Fidel, Che, Lumumba e Malcolm X. E continuaremos aprendendo com todos que continuam mantendo essa chama bem no alto: Ho Chi Minh, esses irmãos e irmãs do Al Fatah, essas guerrilhas palestinas, e todos os camaradas em armas, da Ásia e da América Latina”.

Theodore Drapper, no seu livro Nacionalismo Negro nos Estados Unidos, constata que “até o final de 1969, para os ‘Panteras Negras’, o comunista estrangeiro favorito parecia ser Kim Il Sung, presidente da Coreia do Norte, a julgar pelo espaço (no jornal) dedicado às suas declarações e a seus discursos”. Como podemos notar, a ideologia dos “Panteras Negras” era marcada por certo ecletismo – uma mistura nem sempre bem articulada de diversas correntes marxistas.

A aceitação do marxismo os levou, corretamente, a que fossem contrários às teses de retorno à África, defendidas por grupos minoritários, herdeiros de Marcus Garvey. Para os “Panteras”, o país materno dos atuais negros era os Estados Unidos e não a África. Discordavam de certo nacionalismo pan-africano, que pretendia estabelecer a cultura africana como a verdadeira cultura do negro estadunidense. Newton e Seale achavam que era preciso realizar uma incorporação seletiva do que tinha de revolucionário e progressista na cultura africana (e de outros povos do mundo) e não os seus aspectos atrasados. Newton diria: “O que a nós concerne cremos que é importante reconhecer nossas origens e nos identificarmos com os povos negros revolucionários da África e os povos de cor de todo o mundo. Porém, quanto a retornar aos antigos costumes, não vemos necessidade de fazê-lo”. George Murray, ministro da Educação, seria mais contundente ao considerar o nacionalismo pan-africano “reacionário, insensato e contrarrevolucionário”. Outro artigo do jornal dos “Panteras Negras” ridicularizaria “os tontos que andam por aí declarando que estão ‘simplesmente tratando de ser negros’ por usar turbantes e túnicas e dizem aos negros que eles devem se vincular aos costumes africanos e à herança africana, que deixamos faz trezentos anos, que isto os vai fazer livres”.

Eles não acreditavam que o combate principal era entre a totalidade da comunidade negra e a totalidade da comunidade branca. Eles acreditavam que o motor das transformações sociais era a luta de classes, a luta contra o imperialismo e o capitalismo, que tinham à sua cabeça o governo e as classes dominantes dos Estados Unidos. A derrota do racismo e da opressão estava vinculada diretamente a uma vitória nesse campo.

O presidente dos “Panteras”, Bobby Seale, afirmaria: “Os nacionalistas culturais e os Panteras estão em conflito em muitas áreas. Basicamente, o nacionalismo cultural vê o homem branco como opressor e não faz distinção entre brancos racistas e brancos nãoracistas, como os Panteras fazem. Os nacionalistas culturais dizem que o negro não pode ser inimigo do povo negro, enquanto os Panteras acreditam que os capitalistas negros são exploradores e opressores. Embora os Panteras Negras acreditem no nacionalismo negro e na cultura negra, eles não acreditam que levarão à liberdade negra ou à derrubada do sistema capitalista, e são, portanto, ineficientes”.

Seale reafirmaria essas ideias em outras oportunidades: “não combatemos o racismo com racismo. Combatemos o racismo com solidariedade. Não combatemos o capitalismo explorador com o capitalismo negro. Combatemos o capitalismo com o socialismo de base. Não combatemos o imperialismo com mais imperialismo. Combatemos o imperialismo com o internacionalismo proletário”. Referindo-se à relação entre racismo e dominação capitalista, insistiria: “o racismo e as diferenças étnicas permitem que as estruturas de poder explorem as massas trabalhadoras, porque é a chave através da qual mantém o controle. Dividir o povo e submetê-lo é o objetivo da estrutura de poder (…). É realmente a classe dominante, pequena e minoritária, que domina, explora e oprime os trabalhadores e o povo laborioso (…). Então, esta não é de todo uma luta racial (…). Na nossa visão é uma luta de classes entre a massiva classe trabalhadora e a pequena minoria da classe dominante, exploradora e opressora. Deixe-me enfatizar novamente: acreditamos que a nossa luta é uma luta de classes e não uma luta racial”.

Era essa concepção que permitiria aos “Panteras Negras” fazerem alianças com outros grupos radicais e socialistas, compostos predominantemente por brancos, como o Partido Comunista dos Estados Unidos, sem se subordinarem a eles. Muitas vezes se dirigem ao conjunto do povo e não apenas aos negros. “O Partido dos ‘Panteras Negras’ é um partido do povo. Estamos fundamentalmente interessados em uma coisa: libertar todo o povo de todas as formas de escravidão, com o objetivo de que cada homem seja seu próprio dono”.

Como vemos, os “Panteras Negras” – como partido revolucionário e socialista – não se restringia à defesa dos negros estadunidenses, pois sabiam que – apesar de mais oprimido – representavam apenas 12% da população. Por isso, incorporaram bandeiras mais amplas. Estiveram na linha de frente da campanha contra a guerra do Vietnã, conscientizando os jovens de que aquela era uma guerra imperialista e não devia ser apoiada. Fizeram frentes de ação política com várias entidades, como a dos “Estudantes por uma sociedade democrática”. Contribuíram para a formação do “Partido da Paz e da Liberdade” – uma organização multiracial–, que lançaria Eldridge Cleaver como candidato à presidência da República nas eleições de 1968, obtendo 50 mil votos.

Em julho de 1969, os “Panteras” patrocinaram a Conferência nacional pró-frente única contra o fascismo. Dela, participaram representantes do Partido Comunista dos EUA, e entre eles o doutor Herbert Aptheker, especialista na história dos negros americanos, que fez um longo discurso. Diante das críticas feitas por alguns grupos negros, Seale afirmou que os comunistas haviam trabalhado mais pelo sucesso da conferência contra o fascismo que qualquer outra organização e, por isso, garantiram o direito de estarem ali e utilizarem a palavra. Isso, é claro, não eliminava as diferenças teóricas e políticas entre as duas organizações de esquerda, que mantinham entre si relações respeitosas. Sabiam que o inimigo era outro.

Por isso, chegaram mesmo a propor a constituição de “um partido novo, um novo partido dos trabalhadores, ou como o queiram chamar-lhe (…) uma frente de libertação norte-americana, composta por todos os povos dessa nação”, afirmou Seale.

A posição de Newton e Seale em fazer alianças com organizações radicais e socialistas brancas – inclusive em constituir um partido de frenteúnica – fez com que surgisse uma divergência no interior da organização. Estas, por exemplo, foram as causas da demissão de Carmichael e de outros militantes da direção dos “Panteras Negras” em julho de 1969. “Não posso aprovar politicamente as alianças realizadas pelo partido, porque a história dos africanos que vivem nos Estados Unidos tem demonstrado que qualquer aliança prematura com radicais brancos tem levado à completa submissão dos negros aos brancos, mediante o controle direto e indireto da organização negra”, declarou Carmichael. Em 1966, quando ainda era presidente do SNCC, ele havia afastado todos os estudantes radicais brancos e agora via o seu novo partido se aproximar desses mesmos estudantes e propor-lhes a construção de uma organização política de frenteúnica. Seale rebateu afirmando que Carmichael tinha um temor paranoico em relação à militância radical branca, fruto das dificuldades encontradas no passado no interior da SNCC. Os “Panteras”, que tinham outra história, não carregavam tais preconceitos.

Num discurso, Newton chegou a afirmar: “Houve um tempo em que acreditávamos que só os negros eram colonizados. Porém agora creio que devemos mudar o nosso discurso em certa medida, porque todo povo norte-americano tem sido colonizado, se consideramos a exploração como um efeito do colonialismo, já que esse povo é explorado”. O líder dos “Panteras” amalgamava os conceitos de exploração e colonização. Assim, todos os trabalhadores brancos e negros eram explorados e, portanto, colonizados pelo capitalismo na sua fase imperialista. Uma argumentação original, embora bastante imprecisa.

Novamente, contra aqueles que acreditavam ser possível constituir um cinturão de Estados negros e socialistas na América do Norte, Newton argumentava que essa experiência não poderia sobreviver se o restante dos Estados Unidos continuasse capitalista. “Atualmente, o Partido dos Panteras Negras opina que não queremos estar numa situação típica de enclave, pois ficaríamos mais isolados que estamos agora”. Ou, como afirmaria Newton: “Não poderíamos (vencer) somente na colônia (referindo-se à comunidade negra americana), porque seria como cortar um dedo de uma das mãos, pois elas continuariam funcionando (…). Para vencer o monstro é preciso vencê-lo em sua totalidade”. Para isso, era preciso unificar a luta dos “radicais brancos e brancos pobres” dos Estados Unidos para realizar uma revolução socialista em escala nacional e internacional.

Em um dos discursos feitos na Conferência antifascista de Oakland, Seale afirmaria: “Não dizemos que a autodeterminação do povo negro nas comunidades negras seja incorreta. É necessária. Porém, não estamos dizendo que o povo negro é uma nação só por ser negro. Dizemos que é uma nação porque sofre essa mesma opressão econômica; porque, em segundo lugar, tem uma característica psicológica básica em sua forma de reagir ante o meio que vive; terceiro porque eles se explicam pelo que está ocorrendo; pois o povo negro na comunidade negra compreende o genocídio; porque a linguagem, as características psicológicas, as condições econômicas e (4) a localização geográfica em que o povo negro vive se definem geralmente como guetos. Esta localização geográfica, juntamente com outros pontos, define o povo negro como nação (…). Se estamos divididos e cindidos é porque estamos colonizados, porque os povos do terceiro mundo estão colonizados. Isto é o que define uma nação. Não nos baseamos no racismo. Entendemos o nacionalismo nos termos do que é uma nação e compreendemos o internacionalismo”. Neste ponto a ideologia dos “Panteras” demonstra suas contradições, pois algumas vezes nega o nacionalismo negro e em outras assume alguns dos seus pontos centrais: como a ideia de que os negros estadunidenses formam uma nação à parte no interior da América do Norte.


O Império contra os Panteras Negras

Em 1968 os “Panteras” possuíam filiais em 20 cidades e dois anos depois esse número subiria para 45 – e calcula-se que no seu auge tenha chegado a5 mil membros –, tornando-se um dos movimentos da esquerda revolucionária mais importantes dos Estados Unidos. É justamente desse período a afirmação de Edgard Hoover, diretor do FBI, segundo a qual eles representavam a maior ameaça interna ao país. Desde então os aparelhos de controle e repressão dos Estados Unidos colocaram como uma de suas tarefas principais a erradicação dessa organização, com processos fraudulentos, prisões e mesmo execuções extrajudiciais. Contra ela foi utilizado o CounterIntelligence Program (COINTELPRO) – um programa de contrainteligência que tinha o objetivo de coordenar o trabalho de infiltração de espiões e provocadores nas organizações de esquerda e a criação de um esquema de contrainformação visando a isolar e desmoralizar as organizações-alvo de sua ação.

Na metade da década de 1970 – quando o grupo praticamente não mais existia –, o próprio Congresso estadunidense formou uma comissão de inquérito que constatou os abusos cometidos pelo FBI e outros órgãos governamentais contra os “Panteras Negras”. Recentemente, por exemplo, se descobriu que um dos ativistas que fornecia as armas ao grupo, o nipo-americano Richard Masato Aoki, era na verdade um agente infiltrado.

Apenas nos primeiros quatro anos de existência 34 de seus militantes foram assassinados – a maioria em supostos confrontos com a polícia. Em 28 de outubro de 1967, Newton se envolveu num conflito com alguns policiais que levou à morte de um deles. Julgado por um tribunal composto exclusivamente por brancos,ele foi condenado em setembro de 1968 a 15 anos de prisão. Houve a partir de então uma grande campanha para que fosse libertado e, em agosto de 1970, ele acabou sendo solto após novo julgamento.

No dia 6 de abril de 1968, contra a vontade da direção nacional, uma ala dos “Panteras Negras”, comandada por Cleaver, resolveu realizar uma ação armada contra policiais num protesto contra o então recente assassinato de Luther King. Após o confronto, que resultou em vários feridos, Cleaver e Bobby Hutton – de apenas 17 anos – se refugiaram no porão de uma casa e rapidamente foram cercados. Cleaver, temendo por uma execução sumária, recomendou que tirassem as roupas e saíssem nus, demonstrando que estavam desarmados. Contudo, Bobby tirou apenas a camisa e ao sair do esconderijo foi morto com vários tiros, inclusive pelas costas. Ele foi o primeiro membro do partido a ser assassinado pela polícia. Cleaver foi preso e no transcorrer do processo fugiu para Cuba, depois seguiu para Argélia, onde montou um escritório de relações internacionais do grupo.

Um ano depois do assassinato de Hutton, 21 dos principais líderes dos “Panteras Negras” em Nova Iorque foram presos e falsamente acusados de terrorismo. A fiança estabelecida pelo juiz foi astronômica. Esta foi outra estratégia para enfraquecer financeiramente a organização, que era obrigada a fazer grandes esforços para conseguir recursos visando a pagar as despesas das dezenas de processos que eram abertos. O processo contra os 21 durou mais de um ano e foi concluído pela absolvição dos réus.

No mês de setembro de 1969, em meio à campanha para libertar Newton, Bobby Seale foi preso em Chicago sob a acusação de conspirar para um motim e de ter assassinato um suposto informante do FBI dentro de sua organização. Diante de sua postura inconformista no tribunal, o juiz determinou que fosse amordaçado e amarrado na cadeira. Uma atitude despótica que ocasionou protestos em todo o país. Nesse ínterim – estando Newton e Seale presos e Cleaver exilado–, David Hillard tornou-se presidente interino, mas mesmo ele não escapou das perseguições da justiça.

Outros casos escandalosos foram os assassinatos de Fred Hampton e Mark Clark, dois líderes da atuante seção partidária no estado de Illinois, ocorridos em 5 de dezembro de 1969. Foram executados dentro do apartamento de Hampton, possivelmente enquanto dormiam. Poucos meses antes de ser assassinado – num comício em defesa da liberação de Newton –, Hampton havia dito:“vocês podem prender um revolucionário, mas não podem prender a revolução”. Agora eles não apenas prendiam, mas matavam.

Quatro dias depois do duplo homicídio, 300 membros da SWAT iniciaram um feroz ataque contra o escritório dos “Panteras Negras”. O confronto durou mais de cinco horas e três pessoas ficaram feridas. Nesse mesmo período, várias outras sedes foram atacadas com igual furor. Ninguém tinha mais dúvidas de que ali se travava uma guerra.

Toda essa monstruosa operação de cerco e aniquilamento levada a cabo pelo Estado surtiu efeito. Ocorreram vários rachas internos – uma parte deles incentivada por infiltrados e pelo pessoal da contrainformação – e muitos militantes, impactados pelas sucessivas derrotas, abandonaram o grupo. No ano de 1971, Cleaver e vários ativistas, especialmente de Nova Iorque, romperam com a direção. E também um grupo de tendência militarista funda o Exército Negro de Libertação, que organizou várias ações armadas.

A última grande campanha dos “Panteras Negras” ocorreu em 1972, quando o que restava da organização em todo o país foi mobilizado para eleger Seale à prefeitura de Oakland. Para isso, fecharam as sedes em várias cidades importantes e transferiram os seus militantes para aquela batalha eleitoral local. Algo que lhes trouxe grande prejuízo organizativo, do qual o grupo jamais se recuperou. Visando a alcançar o seu objetivo eleitoral, adotaram um discurso menos radical e até se ligaram ao Partido Democrático. Apesar das concessões e dos enormes esforços empreendidos, os “Panteras” não elegeram nem o prefeito nem a sua candidata à vereadora, Elaine Brown.

A grave derrota levou ao aprofundamento da crise interna. Seale e Newton se desentenderam sobre o rumo do movimento, e o primeiro renunciou à presidência. Nesse momento, o Partido dos Panteras Negras estava reduzido a algumas dezenas de militantes. Para complicar a situação, Newton – acusado de assassinar uma prostituta – foi obrigado a fugir do país e se abrigar em Cuba em agosto de 1974, deixando Elaine Brown no seu lugar. Newton voltou em 1977 durante a administração do presidente Carter, quando o clima político havia desanuviado – sendo julgado e absolvido. Contudo, acabou sendo assassinado por um pequeno traficante em 22 de agosto de 1989. Com esse episódio – simbolicamente – fechava-se tragicamente mais uma página heroica da história de luta dos negros estadunidenses.




* Augusto Buonicore é historiador, presidente do Conselho Curador da Fundação Maurício Grabois e autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira: encontros e desencontros, Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas e Linhas Vermelhas: marxismo e os dilemas da revolução, todos publicados pela Editora Anita Garibaldi. 

Fonte: Fundação Mauricio Grabois


12 outubro, 2016

Que seria deste mundo sem militantes?


Como seria a condição humana se não houvesse militantes?

Não porque os militantes sejam perfeitos, porque tenham sempre a razão, porque sejam super-homens e não se equivoquem. Não é isso.

É que os militantes não vêm para buscar o seu, vêm entregar a alma por um punhado de sonhos.

Ao fim e ao cabo, o progresso da condição humana depende fundamentalmente de que exista gente que se sinta feliz em gastar sua vida a serviço do progresso humano.

Ser militante não é carregar uma cruz de sacrifício.

É viver a glória interior de lutar pela liberdade em seu sentido transcendente”.

José Pepe Mujica


03 julho, 2016

Conheça os principais conceitos de Gramsci


Antonio Gramsci (1891-1937), trico e ativista político marxista, nasceu em Sardenha na Itália, em janeiro de 1891, estudou em Turim e em 1913 se filiou ao Partido Socialista Italiano. Suas leituras de Marx, Engles e Lenin o levaram a rechaçar o idealismo filosófico e, em 1921, juntou-se ao grupo que fundaria o Partido Comunista Italiano (PCI). 

Foi perseguido e preso durante o regime fascista de Benito Mussolini. Depois de onze anos de confinamento e maus-tratos, onde, inclusive, foi impedido de ver a família, foi libertado, mas morreu dois dias depois. Na cadeia, produziu, entre 1929 e 1935, uma obra fenomenal, manuscrita em mais de trinta cadernos, que entraram para a história da teoria política. Seus trabalhos versam sobre literatura, hegemonia cultural, história da Itália, economia e materialismo histórico, entre outros temas. Seus ensaios escritos antes da prisão eram publicados em jornais operários e socialistas.

No Brasil, esses textos podem ser encontrados em dois volumes dos seus Escritos Políticos (2004), editados por Carlos Nelson Coutinho e Luiz Sergio Henriques. Do período do cárcere, há duas obras, as Cartas do cárcere (2005), escritas para parentes e amigos e posteriormente reunidas para publicação e as mais de duas mil páginas que deram origem aos Cadernos do cárcere (1999-2002).

Glossário dos principais conceitos gramscianos:

  • Americanismo e Fordismo: Modo de organização racional da produção, baseado no controle dos patrões sobre os empregados e forte regulamentação das atividades produtivas. Este controle extravasa os muros da fábrica e impõe um tipo de comportamento padrão para todos os empregados. O fato de os Estados Unidos já ter nascido liberal e capitalista, sem contar com uma classe parasitária como na Europa, e de contar com a força dos valores morais puritanos, contribuíram para a eficiência do fordismo e para a expansão deste modo de vida à grande maioria da sociedade. A homogeneização cultural e a simplificação do estilo de vida fazem parte da cultura americana.

  • Ateísmo: Para Gramsci, o ateísmo era uma forma puramente negativa e infecunda, pois sendo uma negação de Deus, vinculava a existência do homem a esta negação. Para o socialismo, dizia Gramsci, tal vinculação não fazia sentido, pois o socialismo parte da consciência sensível teórica e prática do homem e da natureza como o essencial. Praticar a negação da existência de Deus seria uma outra forma de colocar Deus no centro de tudo.

  • Bloco Histórico: Situação social concreta formada por uma estrutura econômica, vinculada dialética e organicamente às superestruturas jurídicas, políticas e ideológicas. O cimento que faz esta ligação é a ideologia que deve ser vinculada por meio dos intelectuais, que seriam os funcionários dos grupos dominantes. O Bloco Histórico realiza-se quando um grupo social consegue impor a sua hegemonia sobre os demais grupos sociais, criando um consenso ao redor do seu projeto de sociedade, e da sua concepção do mundo.

  • Catarse: Passagem da consciência egoístico-passional para a consciência universal, do plano da necessidade para o plano da liberdade, das preocupações econômicas para a ação ética e política. Deixar de lado os interesses econômicos corporativos imediatos e avançar para a esfera universal. Uma classe social que não consegue realizar esta catarse, não pode se tornar classe nacional. Não pode dirigir um bloco histórico majoritário e, portanto, não pode conquistar a hegemonia na sociedade.

  • Centralismo Democrático/Centralismo Burocrático: A classe dirigente do Partido Comunista deve exercer o poder com firmeza. Mas este poder deve ser exercido de forma democrática, de modo a permitir mobilidade entre os grupos políticos do partido e abertura para a crítica da sociedade. É uma forma viva, elástica, dinâmica, que se adapta à realidade do momento. É uma forma dialética. Este modelo foi proposto por Lênin, que o denominou de Centralismo Democrático. Ele dizia que: “é necessário buscar a unidade nas aparências de divergências e as divergências, e mesmo as oposições, nas aparências de unidade”. O Centralismo Burocrático é a degenerescência do centralismo democrático. Quando o grupo que está no poder impede qualquer mobilidade, qualquer crítica vinda de fora. Um governo burocratizado se torna um órgão de polícia, como ocorreu nos regimes fascistas e no stalinismo na URSS.

  • Classe Nacional: Classe que incorpora como suas as reivindicações da classe trabalhadora, assumindo assim o comando do processo de formação de um novo bloco histórico.

  • Crise de Hegemonia/Crise Conjuntural/Crise Orgânica: A Crise de Hegemonia ocorre quando a classe dominante perde o consenso da sociedade; quando ocorre crise de confiança em um determinado projeto e, por extensão, nos seus representantes, afrouxam as relações entre dirigidos e dirigentes. Quando precisa recorrer à força coercitiva para se manter no poder. Se a crise for persistente, se a sociedade perder a confiança na ideologia tradicional, então esta crise passa a ser orgânica. A Crise Conjuntural não tem grande significado histórico, pois, em geral, reduzem-se às manifestações contra aqueles que estão no poder, mas não atingem o sistema. A Crise Orgânica é resultado de um conflito mais amplo, atinge diretamente as estruturas da sociedade, permitindo ressonância social da crítica histórico-social; abre caminho para transformações; este tipo de crise atinge as instituições e pode romper o bloco histórico vigente. A crise orgânica ocorre quando as classes subalternas estão organizadas e disputam a hegemonia com a classe dominante.

  • Ditadura do Proletariado: Fase de transição no processo de implantação do comunismo. Quando o proletariado detendo o poder político, realiza as transformações sócio-econômicas necessárias para a evolução rumo à sociedade comunista.

  • Economicismo: Quando se atribui aos aspectos econômicos todas as causas necessárias para o advento da revolução socialista. Quando se acredita que a crise econômica, e somente ela, seria necessária e suficiente para criar as condições para a queda do capitalismo.

  • Estado Ampliado: Estado em sentido amplo, composto pelas esferas políticas e sociais. Nos termos gramscianos, Estado Ampliado é formado pela sociedade política (monopólio da força) mais a sociedade civil (hegemonia ideológica). O Estado ampliado engloba a burocracia administrativa, o aparato policial-militar, as instituições legais e também todo sistema responsável pela difusão da ideologia dominante, composto pela Igreja, sistema escolar, sistema de comunicação, sindicatos, partidos políticos, etc.

  • Estado Laico: Quando a Igreja deixa de ser um aparelho ideológico de Estado e passa a ser um aparelho privado de hegemonia.

  • Estatolatria: Culto ao Estado. Acreditar que a fase da ditadura do proletariado, sobretudo sobre a forma de ditadura do partido, deveria se tornar permanente.

  • Funções de Dominação: Monopólio da força policial, militar e legal.

  • Funções de Hegemonia: Conquista dos corações e mentes da maioria da sociedade. Ganhar o apoio da maioria via a difusão de um conjunto de idéias que preencha seus anseios.

  • Guarda Noturno: O Partido Comunista deve exercer a função de guardião, para evitar que, durante a ditadura do proletariado, haja uma acomodação no processo de avanço rumo ao fim do Estado, rumo ao comunismo. Sem uma permanente vigilância do Partido, as lideranças que ocupam as funções de governo podem se acostumar com o poder e suas vantagens, perpetuando-se nestas condições. A ditadura do proletariado invés de avançar rumo ao comunismo derivaria para uma ditadura tradicional.

  • Guerra de Posição/Guerra de Movimento: Guerra de Movimento é o tipo de ataque frontal contra o inimigo com o objetivo de derrubá-lo rapidamente; aquelas investidas rápidas, de curta duração; seu êxito depende da correlação de forças, ou seja, da força dos atacantes e da fragilidade dos atacados; por ser de movimento, não há garantias da manutenção da posição conquistada. Guerra de Posição implica em ações consistentes, que vão demarcando conquistas, as posições dos atacantes, alargando o espaço de influência e ação desses grupos; é o tipo de combate feito nas trincheiras, com o objetivo de ir minando a resistência do inimigo. Nas sociedades orientais, como na Rússia, a fraqueza da sociedade civil frente à predominância da sociedade política, justificava a adoção da guerra de movimento. No ocidente, onde por trás da sociedade política existe uma sociedade civil complexa e atuante, impõe-se a adoção da guerra de posição para ganhar a direção político-ideológica, via a conquista do consenso majoritário.

  • Hegemonia: Consentimento social consolidado; conquista, via consenso e persuasão, da direção intelectual e moral da sociedade. Capacidade de unificar e manter unido o bloco social formado pelas classes dirigentes e pelas classes subordinadas. Somente pela conquista da hegemonia é que é possível realizar a transformação da sociedade burguesa em sociedade socialista. A conquista da hegemonia para um projeto que reflifa os interesses da classe trabalhadora, passa, impresncindivelmente, pela atuação pedagógica dos trabalhadores. Não há transformação sem educação revolucionária; não há educação revolucionária sem coerência entre teoria e prática, pois as pessoas avaliam os projetos pela sua atuação concreta.

  • Ideologia Arbitrária/Ideologia Orgânica: As Ideologias Arbitrárias têm baixa capacidade de aderência pela sociedade. Elas não conseguem penetrar, de forma profunda e permanente, no pensamento da população. As Ideologias Orgânicas têm capacidade de penetração e de conversão das pessoas rumo a uma nova maneira de ver o mundo. Para Gramsci, o marxismo, seria precisamente uma ideologia orgânica, que permanecerá até que a sociedade possa alcançar o ideal do comunismo. As ideologias orgânicas têm força psicológica, organizam a sociedade, constituem o fundamento sobre a qual os homens adquirem consciência de sua posição, e lutam para mudar esta situação.

  • Intelectual Orgânico: Aqueles que procedem ao entrelaçamento entre a ideologia espontânea que brota da consciência do ser social e a fundamentação teórica capaz de dar consistência e homogeneidade às ideias e práticas de um grupo social. Exerce funções organizativas, tanto no campo da produção, como da cultura, e mesmo no campo político-administrativo. O intelectual orgânico atua por dentro da sociedade, ele faz parte das massas. O intelectual tradicional tem uma posição destacada da sociedade, faz parte da elite intelectual. O intelectual orgânico não, ele está imiscuído nas tarefas cotidianas da massa trabalhadora. Cabe ao intelectual orgânico elaborar e difundir junto ao povo uma nova visão de mundo. A ele cabe conscientizar o povo, mostrar sua condição de explorado e o caminho para se tornar classe dominante. A superioridade de um grupo social se manifesta pela dominação (poder e força) e como direção intelectual e moral. Só é dirigente quem conquista o consenso, a hegemonia; não basta ser dominante, tem que ser dirigente, pois do contrário não se mantém no poder.

  • Maximalismo: O maximalismo é uma concepção fatalista e mecanicista da doutrina de Marx. Fica-se eternamente à espera do Grande Dia, sem cuidar, enquanto isso, de organizar as massas.

  • Moderno Príncipe: O mito-príncipe não pode ser uma pessoa real, um individuo concreto, só pode ser um organismo. Este organismo já é dado pelo desenvolvimento histórico e é o partido político, a primeira célula na qual se concentram os germes de vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais”, o novo sujeito coletivo já historicamente afirmado, ou seja, o partido político. Força ideal destinada a realizar aquela “reforma intelectual e moral”. O partido que deve e não pode deixar de ser o anunciador e o organizador de uma reforma intelectual e moral (Carlos Nelson Coutinho).

  • Oriente/Ocidente: Não se trata de denominação geográfica, mas diz respeito ao estágio de desenvolvimento econômico e social dos países. Os países onde a sociedade civil se encontra menos articulada e a sociedade política exerce o domínio da organização social, se enquadram no conceito de países orientais. Os países onde a sociedade civil está mais articulada e a sociedade política não detêm a hegemonia do poder, são classificados como países ocidentais. Esta classificação usada por Gramsci foi baseada nas condições de desenvolvimento apresentadas pelos países da Europa ocidental por um lado e pela Rússia de outro. Ele usou esta classificação para mostrar que a estratégia revolucionária utilizada na Rússia não poderia ser transplantada para os países da Europa ocidental.


  • Partido político:Lugar sociológico em que os indivíduos de uma classe econômica adquirem consciência da sua realidade social e política; de homens econômicos, tornam-se homens políticos.

  • Pessimismo da Razão e Otimismo da Vontade: A razão deve manter um tom crítico e realista em relação às condições de sucesso da revolução socialista nos países ocidentais. Deve-se sempre manter-se cauteloso quanto aos avanços alcançados pela luta do proletariado rumo ao socialismo. Esta posição contrasta com a visão otimista dos economicistas, dos maximalistas, que acreditavam que o capitalismo cairia sozinho, e bastaria se organizar para assumir o poder no dia em que isto acontecesse. Gramsci acreditava que o advento do socialismo nos países ocidentais só aconteceria se a classe proletária se mantivesse ativa e operante. O Otimismo da vontade contrastava com o comodismo dos fatalistas e mecanicistas.

  • Questão Meridional: Não integração do mundo camponês sulista italiano aos processos de modernização econômica e política apresentada pelo norte desenvolvido. O sul, atrasado e semi-feudal, funcionou como um território colonial explorado pela burguesia industrial do Norte. Era um mercado cativo devido ao protecionismo e um fornecedor de mão de obra barata para a indústria do norte. Esta situação unia os industriais do norte aos latifundiários do sul. O grande lucro dos industriais do norte cooptava os operários com aumento de salários. Quebrar esta acomodação histórica seria condição necessária para que o proletariado se tornasse classe dirigente na Itália.

  • Questão Vaticana: Os trabalhadores vivem o catolicismo como problema cotidiano, eles encontram uma explicação para o mundo na religião católica. O Partido Comunista precisava compreender as raízes dessa decisão cultural, para orientar as ações dos intelectuais orgânicos na busca de criação de uma nova hegemonia. A tarefa de substituir a doutrina católica pela ideologia marxista não pode ser realizada sem um profundo conhecimento das condições que levaram os trabalhadores a encarnar o pensamento cristão.

  • Recuo das Barreiras Econômicas: Em países mais desenvolvidos, uma crise econômica não gera necessariamente uma crise orgânica. A linha de defesa da sociedade burguesa se encontra mais além das barreiras econômicas.

  • Reforma Intelectual e Moral: Reforma profunda na forma de pensar do povo. Não se trata apenas uma renovação política, econômica e social, mas também de uma revolução cultural, do desenvolvimento de uma nova cultura, de uma nova forma de ver o mundo. A Revolução Francesa de 1789 representou uma reforma intelectual e moral da sociedade francesa, que passou a acreditar que o Estado laico e as instituições democráticas poderiam substituir a antiga ordem absolutista. Gramsci afirmava que na Itália nunca havia ocorrido uma reforma intelectual e moral que envolvesse as massas populares, que promovesse uma profunda transformação das consciências, que gerasse um novo desenvolvimento da vontade coletiva no sentido da realização de uma forma superior de civilização moderna.

  • Revolução Ativa/Revolução Passiva: A Revolução Passiva é uma espécie de revolução sem revolução, uma reorganização do poder sem mudar substancialmente os valores, a ideologia dominante. O Risorgimento na Itália foi uma espécie de Revolução Passiva, a Revolução Francesa foi uma Revolução Ativa.

  • Senso Comum: Gramsci definia senso comum como o folclore da filosofia, uma pseudofilosofia sem uma ordem intelectual. Ele dizia que a filosofia do senso comum era a filosofia dos nãos filósofos, uma concepção de mundo absorvida de modo acrítico. O senso comum ocupa um lugar intermediário entre o folclore e a filosofia. O senso comum deve ser superado porque impede que as massas criem uma consciência crítica de classe. O senso comum, portanto, não pode ser visto como filosofia do povo.

  • Sociedade Civil: Aparelhos da sociedade de disputa da hegemonia (organismos aos quais se adere voluntariamente e que não se caracterizam pelo uso da repressão). Conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e difusão das ideologias, tais como, o sistema escolar, as Igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, movimentos sociais, etc. A sociedade civil é um sistema complexo, capilar e difuso.

  • Sociedade Política: Constitui a força legalmente constituída, trata-se da parte mais comumente identificada como Estado. Aparelhos Estatais de coerção composto pelo sistema jurídico-legal e pelos aparelhos de repressão, pela força policial e militar.

  • Sociedade Regulada: O comunismo, quando o Estado (mecanismos de coerção) é absorvido pela sociedade civil, cedendo lugar para a hegemonia e o consenso. Gramsci usava o termo sociedade regulada como sinônimo de comunismo, para driblar a censura da época.

  • Supremacia: Quando a hegemonia e a dominação, o consenso e a coerção, se unificam. Quando o novo bloco histórico se solidifica.

  • Teoria Ampliada do Estado: Estado Ampliado é formado pela Sociedade Política mais Sociedade Civil. É a hegemonia revestida de coerção. Nas sociedades mais desenvolvidas o Estado não é somente constituído pelos aparelhos de Estado (Administração Pública e Sistema Constitucional-Legal), mas também pelos aparelhos privados de hegemonia, ou seja, pela sociedade civil organizada. Gramsci inova ao aprofundar a compreensão de Estado, pois rompe com a visão preponderante que associa o Estado a uma organização monolítica, a serviço exclusivo dos interesses da classe dominante.

  • Transformismo: Assimilação, pelo bloco dominante, das frações rivais dentro do próprio bloco dominante e dos setores que compõem as classes subalternas. É uma forma de cooptação.

Fontes: 
As armas da crítica. 
Cadernos de Formação Sindical CNTE - Teoria Política
Trevisan