“A questão da criminalização das greves por parte do Judiciário é uma pauta desse ato, que luta pela verdade e justiça, sobretudo. Já fizemos duas grandes manifestações contra a criminalização das greves. O TJSE tem penalizado duramente os trabalhadores do campo e da cidade, com multas pesadas e decisões que os impedem de lutar. A gente precisa de um Judiciário que entenda a lógica da sociedade e não de um Judiciário encastelado aí nesse prédio, alheio a vida do trabalhador.” (Professor Rubens Marques – Presidente da CUT-SE)
Em frente ao
Tribunal de Justiça de Sergipe, na Pça. Fausto Cardoso, em Aracaju, na tarde do
último dia 5 de dezembro, diversas representações do movimento social, sindical
e artistas sergipanos fizeram parte do grande Ato-Show em solidariedade aos
seis jovens do movimento Levante Popular da Juventude que foram ameaçados com a
instauração de um processo judicial por difamação, tendo com autor o médico
José Carlos Pinheiro, acusado de servir aos algozes da Ditadura Militar,
atestando a saúde dos militantes que eram capturados e sofriam as práticas
hediondas da tortura.
Nesse Ato, a
Central Única dos Trabalhadores (CUT), em conjunto com o Levante Popular,
inovou nos métodos de fazer atos públicos para apresentar as pautas da classe
trabalhadora e combinou debates dos representantes das entidades presentes, com
apresentações artísticas que se intercalaram durante o fim de tarde e toda a
noite, na praça que já foi e até hoje continua sendo cenário dos grandes fatos
que marcam a história de Sergipe.
Os jovens do
Levante Popular, a partir da necessidade de resgatar a memória do Brasil no
período mais sangrento de sua história, promoveram o “Esculacho”, manifestação
que divulga, publicamente, não só os atos de violência praticada no período da
ditadura militar, mas, de forma principal, os atores que praticavam essas
ações, o que resultou em processo judicial.
Durante o
Ato, dentro do mesmo objetivo de resgate da memória, da justiça e pela
instauração da Comissão da Verdade em Sergipe, se relembrou também o
aniversário de nascimento de Carlos Augusto Mariguela, militante assassinado na
Ditadura Militar, que, se vivo, faria 101 de vida.
No entanto, a
relação entre memória, justiça e verdade também trouxe a tona, na maioria das
falas das representações políticas ali presentes, um outro tema importante: a
criminalização do Judiciário para com os movimentos sociais e sindicais.
Como um grito
na garganta, as falas que retomavam a importância da instauração da Comissão da
Verdade, do resgate a nossa história, também se manifestaram por um outro
modelo de Judiciário que de fato atenda os anseios da população.
“O Tribunal
de Justiça, principalmente o de Sergipe, tomou pra si o papel que é político,
eles julgam as ações de uma forma muito política e não, baseada da legislação.
Eu vou exemplificar. Greve é um direito do trabalhador, todos tem direito a
greve, mas no estado de Sergipe todas as greves são consideradas ilegais. Pra
nós há um principio da criminalização das greves no estado, ai esse ato também
é de protesto contra a ação recorrente do Poder Judiciário, que criminaliza não
só as greves, mas os o movimentos sociais como um todo, a exemplo das
desocupações que atingem os trabalhadores do MST e MOTU,” afirma Ângela Melo,
presidente do SINTESE.
Para a
liderança do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH) em Sergipe, Lídia
Anjos, o Judiciário é um órgão extremamente distante dos anseios da população:
“os movimentos sociais e sindicatos ainda vivem uma realidade muito complicada,
pois sofrem com a criminalização de suas greves e atos. A gente ainda tem um
Judiciário muito distante da sociedade e que infelizmente não acolhe nossas
pautas como deveria acolher. Não se percebe o Judiciário ao lado dos
trabalhadores e dos movimentos sociais, infelizmente,” alerta Lídia.
Reafirmando a
resistência, Edjanária Borges, dirigente da CUT e do SINTUFS, ergue a bandeira
da liberdade de expressão, de manifestação e de greve, garantidas na
Constituição.
“A Central
Sindical é o espaço onde a classe trabalhadora faz os grandes debates
políticos, que vão para além das pautas específicas de cada categoria. E hoje a
CUT está aqui para mostrar que os sindicatos e os movimentos sociais de forma
geral não vão se calar e estarão sempre nas ruas pra denunciar todas as atrocidades
e injustiças contra a nossa democracia, pois vivemos num país democrático e
lutamos por nossa liberdade de expressão e pela garantia de direitos que, após
anos de luta da classe trabalhadora, conseguimos colocar na Constituição
Federal, e a greve um dos direitos mais legítimos que conquistamos, então não
nos calaremos enquanto houver ataques”, defende a dirigente cutista, Edjanária
Borges.
Para o
diretor Presidente do SINDIJUS, Plinio Pugliesi, que também é diretor de
Políticas Sociais da CUT, o debate sobre a democratização do Judiciário e a
parcialidade dos seus julgamentos quando se trata do direito dos trabalhadores,
precisa estar em todos os espaços, ainda mais quando se trata da impunidade dos
crimes praticados durante o período da Ditadura.
“Nesse Ato
voltado para o resgate da memória e da verdade de um período nefasto da nossa
história, percebemos que a necessidade de lembrarmos a Ditadura Militar não
trata somente de olharmos o nosso passado, mas sim o nosso presente e o futuro.
A estrutura da democracia que temos até os dias de hoje, ainda traz frutos
desse período totalitário, como vemos um estado punitivo e criminalizador que
torna ainda mais vulnerável a parte explorada da população, que sofre com a
ausência da garantia dos direitos sociais. E não há como não fazermos uma
analogia com a maneira como o Judiciário se comporta, atacando de todas as
formas possíveis e até não possíveis, os movimentos sociais e sindicais. Esse
comportamento excessivo que, no dia a dia, atinge diretamente a vida de todos
os trabalhadores, que são impedidos judicialmente de lutar, mostra que o
Judiciário tem lado e essa é uma herança que veio de um dos períodos em que a
democracia foi tolhida no nosso país. Hoje, a democracia foi reestabelecida
pela luta dos trabalhadores e movimentos sociais, mas não no Judiciário, que
ainda continua completamente distante do elemento basilar para a sustentação de
qualquer democracia, a vontade popular”, relata Plinio Pugliesi.
Em discurso,
o representante do SINDIJUS ainda sustentou que "é preciso fazer desse
Ato-Show um instrumento para fazer valerem os versos do compositor popular que,
entre um desaparecimento e outro, escreveu que 'apesar de você amanhã há de ser
outro dia' e exigirmos do Governo Estadual um posicionamento claro sobre a
abertura da Comissão da Verdade em Sergipe, para que se possa enfim, dizer aos
coronéis de pijama que eles pagarão cada lágrima rolada pelos estudantes e
trabalhadores que foram assassinados na luta pela redemocratização deste
país."
Além das
entidades que representam a classe trabalhadora e os movimentos sociais, também
estiveram presentes o fundador e coordenador nacional do Movimento Sem Terra
(MST), João Pedro Stédile, os deputados estaduais Ana Lúcia e João Daniel, além
de diversos artistas, reconhecidos no cenário cultural sergipano e nacional,
como Mosquito e Heitor Mendonça (RS), Pedro Munhoz (RS), Lupércio, dentre
outros, que apresentaram solidariedade à pauta cutista e voluntariamente
apresentaram canções que expressaram versos de resistência ao sistema que está
posto, que divide a sociedade em exploradores e explorados.
Comissão da
Verdade
A Central
Única dos Trabalhadores (CUT) foi a entidade que, desde o ano de 2010, realizou
vários debates com ex-presos políticos e militantes vítimas da Ditadura Militar
e encampou a defesa da instauração da Comissão da Verdade em Sergipe, para
apurar os crimes praticados pelos agentes do Estado, nos “Anos de Chumbo”.
Em âmbito
nacional, já houve a instauração da Comissão pelo Governo Federal, mas a CUT
discorda da finalidade definida, uma vez que a Comissão nacional visa apenas
coletar informações históricas para resguardar a memória, mas não para punição
dos criminosos. Outros estados já instauraram suas próprias Comissões, mas em
Sergipe o assunto continua fora da ordem do dia, para o Governo.
O Ato-Show,
realizado na Pça. Fausto Cardoso, nesse dia 05/12, simboliza mais um passo
dessa luta dos trabalhadores sergipanos e deve servir de marco para a exigência
de posicionamento concreto do Governo Estadual, sobre a questão.